
O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para aumentar a punição imposta ao governador Mauro Mendes (União), condenado por fala discriminatória contra o povo Bóe Boróro, em 2024. O órgão pede a obrigatoriedade de um pedido público de desculpas e a elevação da indenização fixada em R$ 100 mil para R$ 2,5 milhões.
A atuação do MPF começou em julho de 2024, quando o órgão pediu esclarecimentos ao governador após declarações consideradas discriminatórias feitas em janeiro daquele ano. Na ocasião, Mendes afirmou, em entrevista a um veículo de grande repercussão nacional, que indígenas Bóe Boróro teriam “inventado” um “corredor espiritual” para impedir a construção de uma ferrovia entre Rondonópolis (218 km de Cuiabá) e o médio norte do Estado.
Em 2025, o MPF ingressou com ação civil pública e a Justiça Federal reconheceu a ilicitude da conduta, mas negou o pedido de retratação pública e fixou indenizações de R$ 50 mil por danos morais individuais e R$ 50 mil por danos morais coletivos, valores muito inferiores aos R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão pleiteados na ação.
No recurso, o MPF sustenta que a retratação pública é necessária e é amparada pela jurisprudência em casos de agressões discriminatórias divulgadas em veículos de grande alcance. Para o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi, “a retratação não depende da sinceridade subjetiva do ofensor, mas, sim, da necessidade de restaurar, publicamente, a honra e a dignidade de um povo que foi publicamente acusado de ‘inventar’ crenças para fins escusos. O ato visa a mitigar os danos na porção não econômica da condenação, assumindo o transgressor a responsabilidade por suas ações”. O MPF defende que o pedido de desculpas seja apresentado em cerimônia definida pelos próprios indígenas.
O órgão também considera irrisório o valor fixado para o dano moral coletivo. Segundo o MPF, a fala do governador, proferida em rede nacional, incitou discriminação ao retratar os indígenas como dissimulados e capazes de criar crenças com objetivos escusos. O recurso cita que, em casos semelhantes, envolvendo figuras menos conhecidas e com repercussão muito menor, o TRF1 já fixou indenizações de R$ 200 mil. Para Ardenghi, o valor deve ser majorado para garantir função pedagógica e evitar repetição de condutas ofensivas.
Na primeira instância, a Justiça condenou mendes ao pagamento de R$ 50 mil por danos morais individuais e R$ 50 mil por danos morais coletivos. No entanto, o MPF afirma que os R$ 50 mil estabelecidos não correspondem à dimensão da ofensa, que atingiu a honra, as tradições e as crenças de todo o povo Bóe Boróro, causando “profunda tristeza” e “abalo psicológico”.
Na apelação, o órgão reafirma o valor de R$ 1.554.432,00, calculado com base em um salário mínimo por pessoa, para alcançar todos os membros da comunidade afetada. Para o procurador, a fala do governador afrontou a dignidade humana ao colocar em dúvida a ética e a integridade dos indígenas e de suas manifestações culturais e religiosas.


