‘É alarmante como pessoas tratam seus corpos como máquinas’, alerta psiquiatra

Nas últimas semanas uma mudança da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) referente a receita do medicamento zolpidem acendeu alerta e diversas discussões diante do seu uso abusivo. O composto é um agente hipnótico indicado no tratamento da insônia de curta duração, para quem tem dificuldades em dormir ou manter o sono.

Com a nova medida, ele deverá ser prescrito por meio de notificação de receita B (azul), já que faz parte da lista de substâncias psicotrópicas da norma de substâncias controladas no Brasil. 

Em conversa com o  a psiquiatra Karolyne Fernandes Metello disse que cada vez mais a sociedade busca por soluções rápidas e fáceis para os problemas, entrando em um ciclo insustentável que pode acarretar malefícios que, em longo prazo, podem comprometer a saúde física e mental.

“Embora eficaz para induzir o sono, o uso excessivo e prolongado do zolpidem pode trazer mais malefícios do que benefícios. É alarmante observar como muitas pessoas tratam seus corpos como se fossem máquinas, se desligando com um comprimido à noite e ligando-se novamente com cafeína pela manhã. Esse ciclo ignora a complexidade do sono humano”, explicou.

Para entender mais sobre o assunto, a médica respondeu algumas perguntas pontuando as consequências que o medicamento pode ocasionar caso usado de maneira irregular e de forma excessiva.

Quais são as consequências do uso de zolpidem?

Psiquiatra Karolynne Fernandes – Em efeitos a curta prazo é sedação e sonolência, pode causar confusão, amnésia anterógrada (dificuldade em formar novas memórias) e dificuldades de coordenação. Algumas pessoas podem experimentar comportamentos incomuns, como sonambulismo, dirigir dormindo, e realizar outras atividades sem lembrança posterior.  Uso prolongado pode levar à dependência física e psicológica. A tolerância pode se desenvolver, necessitando doses maiores para obter o mesmo efeito, interrupção abrupta pode causar sintomas de abstinência, incluindo ansiedade, insônia rebote, irritabilidade e, em casos graves, convulsões. Já no uso crônico pode afetar a função cognitiva e psicomotora.

Como o zolpidem age no organismo?

Psiquiatra Karolynne Fernandes – De forma simples, ele atua como um agonista seletivo dos receptores Gaba-A. Esses receptores são neurotransmissores inibitórios no cérebro que, quando ativados, têm um efeito calmante e sedativo. O zolpidem aumenta a atividade do Gaba, promovendo o sono e reduzindo a ansiedade.

Como lidar com pacientes que fazem uso excessivo de zolpidem?

Psiquiatra Karolynne Fernandes – Necessitamos avaliar o paciente, ver a extensão do uso e os sintomas de dependência (física e/ou psicológica). Identificar todos os fatores subjacentes que podem contribuir para o uso excessivo, distúrbio, sono, transtorno de ansiedade. Depois disso, iniciar a intervenção e o tratamento que inclui: reduzir a dose gradualmente para minimizar os sintomas de abstinência; muitas vezes, iniciar terapia para abordar a insônia subjacente e modificar comportamentos associados ao uso de zolpidem; por fim, considerar o uso de outros medicamentos menos propensos a causar dependência para minimizar a queixa do paciente.

 Por que a Anvisa demorou para mudar o tipo de receita?

Psiquiatra Karolynne Fernandes – Não sei ao certo por que demoraram, mas a mudança do tipo de receita pode estar relacionada a vários fatores: necessidade de reunir dados suficientes sobre os riscos de dependência e abuso; processos regulatórios que podem envolver consultas públicas e discussões com profissionais de saúde; considerar os benefícios terapêuticos do zolpidem contra os riscos de abuso e dependência; implementação de novas regulamentações pode ser um processo lento e complexo; A potência das indústrias farmacêuticas que tanto lucram com ele (assunto polemico) várias podem ser as causas.

Existe um abuso uso de zolpidem no Brasil?

Psiquiatra Karolynne Fernandes – O termo “epidemia” pode ser usado de forma figurativa para descrever o aumento alarmante no uso e abuso de uma substância. Se houver uma prevalência significativamente maior e preocupações crescentes entre profissionais de saúde, pode-se considerar uma “epidemia” em termos de saúde pública. Então, sim, podemos falar que existe! Isso, visando o aumento significativo nas prescrições de zolpidem ao longo dos anos, ao crescente número de casos relatados de dependência e abuso, por fim, o uso inadequado e a automedicação que estão levando a problemas de saúde pública, incluindo aumento de internações por overdose e complicações relacionadas ao uso do medicamento.

 Existem outros medicamentos que poderiam substituir o zolpidem e não causar dependência?

Psiquiatra Karolynne Fernandes – Sim, existem alternativas que são menos propensas a causar dependência: antidepressivos sedativos, antipsicóticos de baixa doze, agentes não-benzodiazepinicos (melatonians e agonistas), antihistaminicos e Cannabis Medicinal também.

Para encerrar, a médica alertou para que as pessoas não negligenciem a insônia, pois ela pode estar ligada a outro problema.

“A insônia é frequentemente um sintoma de problemas subjacentes, como estresse, ansiedade ou maus hábitos de sono. Tomar uma pílula para mascarar esses problemas é ‘tampar o sol com a peneira’. Em vez de buscar soluções rápidas, precisamos adotar uma abordagem mais ampla e saudável. Procure um médico responsável”, finalizou.

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