Integração de espécies eleva produtividade e reforça sustentabilidade na piscicultura amazônica

Levantamento da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO) revela que criação integrada de tambaqui (Colossoma macropomum) com curimba (Prochilodus lineatus) é uma opção mais sustentável de produção de proteína para o bioma amazônico. Além disso, é 25% mais produtivo do que a produção de tambaqui de forma isolada.O estudo, publicado na revista Aquaculture , avaliou os impactos ambientais da aquicultura multitrófica integrada (AMTI) de tambaqui e curimba em comparação com a monocultura de tambaqui em viveiros usando a avaliação do ciclo de vida (ACV). A AMTI é um modelo ecológico de produção que cultiva diferentes espécies aquáticas no mesmo ambiente, imitando os ecossistemas naturais para reciclar nutrientes. Dessa forma, reduz o impacto ambiental, aumenta a sustentabilidade e a eficiência, e gera múltiplos produtos de valor a partir de uma mesma unidade produtiva, como parte de uma economia circular.Os resultados compararam também a piscicultura com outras atividades agrícolas. Em relação à pecuária bovina, para a produção de 1 kg de proteína, são necessários 434,88% a mais de terra do que uma piscicultura de tambaqui. Já a avicultura necessita de 48,84%, e a suinocultura, de 72,09% a mais de espaço. “Com isso, verificamos que a aquicultura pode ser uma alternativa para a diminuição da pressão de abertura de novos espaços para a agropecuária no bioma amazônico”, constatou a pesquisadora produtora da Embrapa Pesca e Aquicultura Adriana Ferreira Lima.Os dados confirmam um estudo publicado pela revista Nature Sustainability, em janeiro deste ano, que apontou vantagens da criação de peixes na região em comparação ao gado. A pesquisa foi conduzida por cientistas brasileiros e americanos.

Segundo Lima, comparativamente, avaliando os impactos ambientais da produção de tambaqui com outras atividades agropecuárias, o da aquicultura é muito menor. “Além da demanda por terra ser muito menor por terra, a atividade influencia um pouco na liberação de gases de efeito estufa. Sem dúvida, é uma solução mais sustentável para a produção de proteína no bioma amazônico”, atesta.

Por que a curimba?

De formato comprido, a curimba é menor do que o tambaqui e é comercializada com peso entre meio quilo e um quilo, em mercados locais do Pará e regiões ribeirinhas.

De acordo com a pesquisadora, a curimba foi escolhida para ser utilizada experimentalmente por alguns produtores e por ter um grande potencial produtivo. É hoje a segunda espécie de peixe mais exportada pelo Brasil.

Lima explica que uma pesquisa baseada em fatores biológicos, ecológicos, econômicos e de mercado, além de levar em conta que a espécie já é produzida em várias regiões do País. “A curimba possui um perfil ecológico que complementa a função do tambaqui. A criação do tambaqui não sofre alterações com a inclusão da curimba, que é um peixe de fundo, responsável por consumir as sobras de ração e alimentos presentes no sedimento do fundo do viveiro”, complementa.

Outra vantagem da curimba é que ela é uma espécie que o produtor pode aceitar sem medo de ter prejuízos com a produção integrada de tambaqui, uma vez que não afeta em nada o crescimento e o rendimento do peixe amazônico mais exportado pelo Brasil.

A nota da pesquisa

A pesquisa trouxe informações fundamentais e inéditas para esse modelo integrado de criação, já adotado por alguns produtores. Até então, a criação conjunta de curimba e tambaqui era vista apenas como um recurso para melhorar a qualidade da água, pois o curimba é uma espécie que se alimenta no fundo do viveiro.

“Enquanto em países como China e Índia, o estudo de espécies de forma bastante integrada é um padrão comum, no Brasil há poucas iniciativas por falta de dados a respeito. O estudo agrega informações científicas a essa prática, esclarecendo dúvidas mais comuns dos produtores, como: por exemplo, se a inserção da curimba atrapalha ou não o crescimento do tambaqui; se é necessário aumentar a quantidade de ração para a criação de duas espécies, e qual a quantidade de curimba se deve colocar no viveiro”, observa o pesquisador.

O estudo revelou que a curimba se desenvolveu com a mesma quantidade de ração destinada ao monocultivo do tambaqui e que não prejudicou em nada o crescimento da espécie amazônica. Ao contrário: com a mesma quantidade de ração, o viveiro produziu 25% a mais de proteína por hectare, por conta da adição da nova metodologia, promovendo incremento econômico para o produtor.

Outra vantagem é que o manejo combinado das duas espécies é semelhante ao monocultivo do tambaqui, quando os alevinos de ambas as espécies têm o mesmo tamanho. Com quantidade equivalente de ração, o tambaqui e a curimba se desenvolvem normalmente, sem que uma espécie prejudique a outra.

“Nessa pesquisa colocamos aproximadamente metade de alevinos de curimba e metade de tambaqui. Com essa proporção, a curimba atingiu 200g, enquanto o ideal é chegar aos 500g. O tambaqui chegou a 1,8kg, que é o peso de comercialização no Tocantins e em outros estados da Região Norte, exceto Manaus e Rondônia”, detalha Lima.

Para pequenos produtores, a diferença de crescimento das espécies não é empecilho para a produção integrada, já que as espécies têm tamanhos de vendas diferentes. Além disso, é possível realizar a despesca do tambaqui e aguardar que a curimba atinja o peso mínimo para a comercialização.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em campo, em viveiros de 600 metros quadrados, com uma densidade semelhante à utilizada pelo setor produtivo. Foram utilizados também insumos semelhantes aos usados ​​nas pisciculturas comerciais.

Os alevinos de tambaqui e de curimba foram inseridos no viveiro ao mesmo tempo, com uma proporção de cerca de 50% cada.

A pesquisadora apontou que todas as etapas da produção (alevinagem) foram realizadas na próxima escala comercial. A partir dos dados obtidos, foi possível avançar para estudos posteriores. “A análise do impacto ambiental foi embasada em informações primárias obtidas no campo e em outras secundárias, oriundas da literatura”, destaca.

Para a mensuração do impacto global das atividades agropecuárias são realizadas análises de ciclo de vida, nas quais são avaliados os impactos das atividades, somados aos custos de todos os insumos necessários à produção.

“Nosso estudo levou em conta todos os insumos utilizados na piscicultura, inclusive os recursos necessários para a produção dos ingredientes usados ​​na ração, como o plantio da soja e do milho. Foram considerados também gastos com a construção dos viveiros, entre outros necessários à produção de 1 kg de proteína pela aquicultura. Os resultados mostraram que, mesmo levando em conta todos esses custos, o impacto da piscicultura é muito menor do que o de outras atividades agropecuárias”, constata Lima.

Integração é melhor do que monocultivo

O estudo também concorda que, quando o cultivo do tambaqui é integrado com o da curimba, o impacto ambiental é reduzido. Enquanto no monocultivo do peixe amazônico é gerado a liberação de 4,2 7kg de gás carboidrato por quilo de peixe, com o cultivo integrado do curimba esse valor caiônico para 3,9 kg. A integração também promove 17% de redução na ocupação do uso da terra, 12% na acidificação, 38,57% na dependência de água, 13,30% na demanda de energia, 21% na eutrofização da água doce e 9% no impacto na mitigação das mudanças climáticas em comparação com o monocultivo de tambaqui.

O cultivo integrado também melhorou a taxa de conversão alimentar e a recuperação de nutrientes ー fatores-chave que impulsionam a redução dos impactos ambientais. “Esses resultados destacam o sistema AMTI como uma alternativa mais sustentável à monocultura convencional de tambaqui”, enfatiza a pesquisadora.

Cultivo integrado também na aquicultura

A vem ciência demonstrando que os monocultivos – seja na agricultura ou na pecuária – não são a melhor alternativa para a sustentabilidade da produção. Assim como a pesquisa agropecuária tem mostrado como vantagens da integração trabalho-pecuária-floresta, a pesquisa na aquicultura também tem trabalho com sistemas integrados para melhorar a eficiência dos sistemas produtivos e diminuir o impacto ambiental.

Lima afirma que a escolha do tambaqui (uma espécie nativa, a segunda mais produzida no Brasil) e da curimba se deu porque já é uma combinação usada por alguns produtores para o cultivo integrado, de forma empírica.

Além dessas espécies, outras também são descobertas em cultivos integrados de peixes no Brasil. No Paraná e na Região Sudeste, por exemplo, há experiências de tilápia com camarão-gigante-da-Malásia ( Macrobrachium rosenbergii ). Há também relatos de integração de pecuária com fruticultura, utilizando a água do cultivo para a supervisão.

Segundo um pesquisador, quanto maior a quantidade de espécies existentes no sistema de produção, maior é a recuperação da biomassa animal. Hoje a produção de tambaqui aproveita de 30% a 40% de nitrogênio e fósforo; o resto vai para a atmosfera ou para a água.

No caso da pesquisa realizada, a curimba consome plâncton, sobra de ração, lodo do fundo, transformando aquilo que seria lixo no monocultivo em proteína animal. “Nós acreditamos que demonstramos um passo importante para o estudo do cultivo integrado, o que abre portas para a combinação de outras espécies, como tambaqui, curimba e camarão. Quanto mais espécies o sistema tem, já que elas não fazem competição com o tambaqui, que é a espécie principal, maior é a eficiência da produção”, atesta.

O cientista destaca ainda que a aquicultura possui um enorme potencial de cultivos integrados, mas ainda faltam estudos que avaliem todos os impactos desse modelo, incluindo análises dos impactos do aproveitamento da água da aquicultura para a supervisão no plantio. “Há um longo caminho pela frente”, conclui.

Compartilhar

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Imprimir

últimas Notícias

plugins premium WordPress