um ano da lei da pesca Pescador relata dificuldade financeira e incerteza do futuro

Descendente do povo indígena Guató e pescador de terceira geração, a atividade ribeirinha sempre foi mais do que um meio de sustento para Lourenço Pereira, 56. Ele cresceu dentro de uma canoa, como descreve. Contudo, a vida que sempre conheceu foi drasticamente transformada pela Lei do Transporte Zero.Aprovada em junho de 2023, a legislação que proíbe o transporte e armazenamento de 12 espécies de peixes por 5 anos em Mato Grosso já vigora há mais 12 meses. Antes da regra, Lourenço mantinha as despesas da casa, garantindo o sustento da esposa e 3 filhos.Agora, seus filhos mais velhos e a companheira, que possuem outras ocupações, precisam auxiliá-lo financeiramente. “Hoje, é a minha família que tem que ajudar a colocar comida na mesa. Antes eu dava conta de tirar com o sustento do rio, hoje são eles que colocam a comida na mesa com segurança (sic)”, lamentou.

Canoa

O impacto da lei não é apenas financeiro: para ele, trata-se da destruição de uma tradição que passa de pai para filho. “É triste a gente não passar uma cultura, uma tradição que a gente tem de um segmento profissional”, alegou.Quando a lei foi apresentada, o governo justificou a medida como necessária para preservar a fauna dos rios e fomentar o turismo da pesca esportiva. Em compensação, a administração estadual criou o “Repesque”, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal por 3 anos aos pescadores registrados, que comprovem a pesca como sua única fonte de renda.

Lourenço

Mas, para quem sempre viveu do rio, como Lourenço, essa ajuda está longe de ser suficiente. Além disso, os pescadores temem receber o auxílio do governo devido à insegurança jurídica e previdenciária associada ao benefício. Isso porque não há garantias de que o pagamento não impactará sua aposentadoria junto ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O temor principal é que, ao receber o auxílio estadual, eles possam perder o direito ao Seguro Defeso, que é um benefício previdenciário pago pelo INSS.“Eu não fiz e não tenho interesse de fazer. Até agora não há uma garantia que isso não impacte lá na frente. Para mim, que já estou perto de aposentar, tenho medo de fazer e correr esse risco”, disse o ribeirinho ao citar que já possui 37 anos de carteira assinada como pescador.A situação vivida por pescadores é vista com críticas e indignação. O vereador de Cáceres, Cézare Pastorello, tem atuado na defesa dos ribeirinhos e alerta para os impactos negativos da nova legislação.

Pastorello

Segundo ele, a falta de clareza nas regras também cria insegurança. Para o parlamentar, a lei atende interesses econômicos, como a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), em detrimento dos pescadores e do meio ambiente.“Então foi assim: ‘se o problema é ter o pescador no Rio, então vamos tirar o pescador e aí a gente faz as PCHs só aqui’. Para o alto Pantanal já são 180 projetos de PCH e isso vai acabar com o Pantanal, isso realmente vai acabar com os peixes. É apenas interesse econômico”, criticou.

A visão dos pesquisadores
A comunidade científica também critica a medida. O biólogo Claumir Muniz, doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), explica que a lei não tem base científica sólida. “Não há comprovação de que essas espécies estão, de fato, ameaçadas por sobrepesca. Além disso, ainda não foi definido como será monitorada a eficiência da lei para recuperar os estoques pesqueiros”, argumentou.Ele ressalta que a crise na população de peixes tem mais relação com o volume de água e a qualidade do ecossistema do que com a pesca comercial. “A água contaminada por agrotóxicos e as mudanças no regime de cheias do Pantanal são fatores muito mais relevantes”, pontuou.

ministro andré mendonça

A esperança no STF
A legislação enfrenta contestações no Supremo Tribunal Federal (STF). Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) questionam a validade da lei, sob o argumento de que fere o direito ao trabalho e a cultura tradicional dos pescadores. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também se manifestou contra a medida.Enquanto a decisão não vem, os pescadores de Mato Grosso seguem vivendo a incerteza de um futuro que, para muitos, parece cada vez mais distante do rio. “Minha esperança é que o STF derrube essa lei. Todos os órgãos sérios já disseram que ela não tem fundamento. Enquanto isso, a gente segue aqui, tentando sobreviver, esperando que a Justiça olhe para nós”, desabafou Lourenço.

Compartilhar

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Imprimir

últimas Notícias