A ação, que deixou ao menos 4 mortos e 151 feridos, causou revolta no Kremlin, que acusou os Estados Unidos diretamente pelo ataque. Além dos mísseis envolvidos no bombardeio, os russos disseram que os americanos coordenaram a ação com informações via satélite e de um drone de reconhecimento que estava na área.
O Pentágono negou o envolvimento direto, dizendo que as decisões sobre alvos são estritamente ucranianas, mas não comentou se forneceu dados para que Kiev tomasse sua decisão —o que é um segredo de polichinelo nesta guerra, dado que os ucranianos não têm capacidades avançadas como satélites à disposição.
O vídeo, que emergiu em redes sociais nesta terça (25) e foi georreferenciado por sites especializados como verdadeiro, tem um quê da cena do ataque à praia do clássico “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola (1979). Explosões na água plácida e azul se contrapõem à correria na orla —só que, em vez de figurantes se passando por vietnamitas, pessoas reais.
As múltiplas explosões são de munição de fragmentação, conhecida como cluster, transportada por mísseis ATACMS americanos, disparado de até 300 km. São pequenas bombas que se espalham por uma grande região, cujo emprego é condenado por tratado internacional não respeitado nem por Washington, nem Moscou ou Kiev.
A imagem não permite dizer se o míssil explodiu e espargiu suas bombinhas ou se, como disseram os russos, foi interceptado —o que poderia também levar à cena mostrada no vídeo. Subsiste então o pânico das vítimas, correndo e tentando levar boias e toalhas de praia enquanto as explosões ocorrem.
A Crimeia é um dos balneários prediletos dos moradores da antiga União Soviética, caso de russos e ucranianos. As praias estão com policiamento reforçado.
Já o Kremlin, para ficar no cinema americano dos anos 1970 emulando o prefeito da ilhota ameaçada por um peixão faminto em “Tubarão” (Steven Spileberg, 1975), disse que não iria cancelar a temporada de férias na região —no caso, menos pelo lucro cessante potencial e mais para manter a imagem de que tem a situação sob controle.
Até aqui, a Casa Branca proibiu que tais armamentos fossem empregados, a exemplo de outros, contra solo russo internacionalmente reconhecido. Não é o caso da Crimeia. A ONU considera a anexação promovida por Vladimir Putin em retaliação pela derrubada do governo pró-Rússia do Kiev em 2014 ilegal, e mesmo alguns aliados próximos de Moscou como Belarus não reconhecem o status russo do território.
A Crimeia, região historicamente russa que foi dada à Ucrânia em 1954 pela liderança soviética, é uma obsessão de Putin. Sua anexação foi tratada como fato consumado pela comunidade internacional até a invasão russa de 2022.
Putin não dobrou toda a Ucrânia, mas conquistou até aqui uma faixa de 20% do território, estabelecendo uma ponte terrestre entre a Rússia e a Ucrânia —até a guerra, dependia de uma ponte verdadeira, inaugurada com fanfarra em 2018 no estreito de Kertch, para ligar seu país à península. Não por acaso, a obra já foi alvo de Kiev na guerra.
A área toda é estratégica, sediando a hoje acuada Frota do Mar Negro da Rússia e uma série de instalações militares importantes na guerra. A contraofensiva ucraniana de 2023 tinha como objetivo isolar novamente o território dos domínios de Putin, mas fracassou.
Desde então, Sebastopol e outros pontos são objeto de bombardeios com drones e mísseis constantes. A ação de domingo, que Moscou caracterizou como um “ataque bárbaro” mirando civis, pode ter mirado a base aérea de Belbek, que fica junto à faixa de areia e já foi atacada em outras ocasiões.